Disputas por relatorias no STF causam tensão entre ministros e insegurança jurídica

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A definição sobre a relatoria de processos importantes que correm no STF (Supremo Tribunal Federal) tem gerado tensão entre os ministros da corte.

As dúvidas em relação à distribuição das ações que chegam ao tribunal ocorreram no caso do ex-ministro Ricardo Salles, na discussão sobre a realização da Copa América e na CPI da Covid.

Em algumas situações, ações similares têm ficado nas mãos de dois ministros diferentes, o que causa insegurança jurídica e abre caminho para o tribunal dar decisões conflitantes em temas parecidos.

Em relação a Salles, a PGR (Procuradoria-Geral da República) chegou a pedir para o ministro Alexandre de Moraes abrir mão do processo para que ele fosse enviado à ministra Cármen Lúcia, que é responsável por outros dois procedimentos sobre o assunto.

Moraes rejeitou o pedido, e a Procuradoria insistiu com a solicitação, desta vez direcionada ao presidente da corte, Luiz Fux, para que levasse o debate ao plenário. Como Salles deixou de ser ministro e um dos inquéritos inclusive já foi remetido à primeira instância, no entanto, esse debate não deve chegar a ser analisado pelo conjunto da corte.

Já na CPI da Covid, apesar de os recursos estarem sendo sorteados livremente, o sócio da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiliano, tentou direcionar seu pedido ao ministro Kassio Nunes Marques.

Ele solicitou a suspensão da quebra de seus sigilos telefônico e telemático dentro dos autos do mandado de segurança em que Kassio havia impedido a comissão de violar os sigilos de Elcio Franco, ex-número 2 do Ministério da Saúde.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegaram a se reunir com Fux para solicitar o sorteio desse caso.

Kassio, porém, já havia rejeitado a manobra e mandado o processo para ser distribuído livremente entre todos os ministros.

“Admitir o pedido do requerente implicaria em ofensa ao princípio do juiz natural, uma vez que deve ser garantida a livre distribuição dos feitos, não sendo dada a ninguém a oportunidade de escolher o juiz de sua causa”, afirmou.

No caso da Copa América, uma ala do STF interpretou nos bastidores que o PT tentou burlar o sorteio da relatoria do tema ao recorrer diretamente ao ministro Ricardo Lewandowski para pedir o veto à realização da competição.

O magistrado é um crítico do governo de Jair Bolsonaro e costuma dar decisões favoráveis a investigados na operação Lava Jato, muitos deles do Partido dos Trabalhadores.

O PSB e a CNTM (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos) acionaram o Supremo contra o campeonato e as ações foram sorteadas para Cármen Lúcia.

O PT, porém, entrou com seu pedido direto na ação constitucional que trata da atuação do governo federal em relação à vacinação contra a Covid-19, que está sob responsabilidade de Lewandowski.

No fim, os três processos foram analisados em sessões virtuais diferentes, apesar de tratarem do mesmo tema.

Em relação a Salles, a PGR afirmou ao Supremo que Cármen deveria conduzir as investigações porque, em abril, ela foi sorteada relatora de duas ações que envolvem acusações sobre a relação do ex-ministro com madeireiros.

Uma delas é a notícia-crime apresentada pelo delegado Alexandre Saraiva, que era superintendente da Polícia Federal no Amazonas e pediu ao Supremo que Salles fosse investigado por atrapalhar medidas de fiscalização e patrocinar interesses privados.

Moraes, por sua vez, era o relator do pedido feito por senadores para que o ex-ministro fosse investigado por ter afirmado em reunião ministerial em abril de 2020 que o governo deveria aproveitar que o foco do noticiário estava na pandemia da Covid-19 para “ir passando a boiada” em normas ambientais.

O ministro arquivou a petição dos parlamentares. Mesmo com o caso arquivado, a Polícia Federal requereu ao magistrado neste processo para que autorizasse a deflagração de uma operação contra Salles e outros integrantes do Ministério do Meio Ambiente. Ele desarquivou o processo e autorizou a ação policial.

Para a PGR, contudo, Cármen deveria ter sido a responsável por esse pedido da corporação por tratar de crimes praticados por madeireiros, o que teria mais relação com os processos da ministra do que com os de Moraes, que tratava apenas da afirmação de Salles na reunião ministerial.

O ministro, porém, afirmou que a solicitação da Procuradoria era “suis generis” e se negou a deixar o caso nas mãos da colega.

Ele afirmou que os fatos tratados nas ações sob sua alçada são “absolutamente diversos” às questões que estão com Cármen e que eu processo era mais antigo.

Nos bastidores, a magistrada divergiu da posição do colega e defendeu que ela quem deveria ter sido a relatora do pedido da PF, que foi atendido sem prévia manifestação da PGR, como ocorre geralmente.

Menos de duas semanas depois da ação policial autorizada por Moraes, Cármen determinou abertura de inquérito contra o então ministro do Meio Ambiente, mandou recados ao ministro e discorreu sobre a necessidade de a Procuradoria participar das investigações. Segundo a ministra, não cabe ao Supremo interferir na “opinio delicti” —a convicção por parte do Ministério Público de que houve crime.

Cármen Lúcia disse ainda que é atribuição do Supremo controlar a legitimidade e a regularidade de atos e procedimentos de coleta de provas, autorizando ou não diligências.

“As atividades investigativas e o juízo sobre a conveniência, a oportunidade ou a necessidade de diligências para a formação da convicção acusatória são atribuições da Procuradoria-Geral da República, que, como titular da ação penal, é o ‘verdadeiro destinatário das diligências executadas'”, escreveu.



Matheus Teixeira / Folha de São Paulo

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