Declaração de Eduardo Leite sobre ser gay lança dúvida sobre agenda LGBT e efeito eleitoral

Foto: Folhapress/
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB)

A quatro meses das prévias que definirão quem será o presidenciável do PSDB em 2022, a declaração do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, 36, que disse ser gay, foi acolhida por boa parte do meio político, ao mesmo tempo em que lança dúvidas sobre seu impacto no xadrez eleitoral e o apoio do tucano à agenda LGBT.

Leite, que é uma das apostas dos que buscam uma terceira via para 2022, decidiu falar abertamente sobre sua sexualidade em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, na madrugada desta sexta-feira (2), e também em entrevista à revista Piauí.

“Nesse Brasil com pouca integridade a gente precisa debater o que se é, para que se fique claro e não se tenha nada a esconder: eu sou gay. Eu sou gay”, disse.

A fala do governador foi recebida com elogios e classificada como corajosa por políticos de diferentes siglas, assim como por especialistas ouvidos pela reportagem. O governador, porém, foi cobrado por seu apoio a Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, apesar do histórico de declarações homofóbicas. O presidente disse nesta sexta que o governador busca “cartão de visita” para sua candidatura.

O cientista político e professor da Escola de Humanidades da PUC-RS Augusto Oliveira diz que o questionamento sobre a orientação sexual de Leite já estava presente na política gaúcha e foi explorado na surdina por adversários do tucano durante a campanha ao governo do estado em 2018, mas que os danos e benefícios disso são desconhecidos.

“A declaração dele é um tema importante para a política gaúcha, para ele e para toda a sociedade, trazendo representação política e trazendo possibilidade de alcançar espaços de poder e de administração pública para um segmento da população que é evidentemente discriminado e tem pouco acesso a postos visíveis na política”, afirma.

Ele destaca que apesar de visto como estado conservador, o Rio Grande do Sul já foi governado por uma mulher (Yeda Crusius) e um negro (Alceu Collares), mesmo aspecto destacado pela cientista política Maria Izabel Saraiva Noll, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que também chama atenção para o machismo local.

“Temos que reconhecer que a declaração do governador foi muito corajosa demonstrando que ele está se antecipando a eventuais ‘fofocas’ caso seja candidato à Presidência e estabelecendo um patamar de transparência no processo”, diz a professora.

Ela acrescenta que a radicalização política e a incorporação do preconceito sobre orientações sexuais, com o predomínio de uma agenda religiosa ligada a igrejas pentecostais, a exemplo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, mostra que o assunto é sensível. “Resta saber o quanto esta questão tem raízes na própria sociedade.”

Para o cientista político e professor da FGV-SP Claudio Couto, a decisão de assumir a homossexualidade na condição de pessoa pública “é algo que pode ter custos políticos muito significativos, em especial para quem ocupa ou disputa cargos majoritários, em função da grande carga de preconceito social em relação a essa condição”.

Por conta disso, ele avalia que a declaração pode prejudicar Leite nas prévias tucanas —marcadas para novembro— se o partido avaliar que o fato de ele ser gay é um problema para a disputa eleitoral.

“Acho pouco provável que num partido como o PSDB, que não tem a defesa da diversidade e da orientação de gênero algo prioritário, essa questão seja vista como um bônus, em vez de ônus”, diz.

Já a professora de direito Luciana Ramos, também da FGV-SP, pondera que se há risco de perda de votos por um eleitor conservador, de um lado, do outro a declaração de Leite “pode impactar positivamente uma parcela do eleitorado que se preocupa com os direitos da população LGBTQIA+ e com o respeito à diversidade”.

A cientista política Maria Izabel considera que por “ser branco, bonito, educado, de boa família, inteligente, ponderado, e não estar fazendo um mau governo no Rio Grande do Sul”, o posicionamento não deve interferir nos planos do tucano.

“O que momentaneamente pode ser visto como uma perda pode ser revertido com a adesão de grupos não identificados politicamente, mas identificados com a causa LGBTs. Leite é um centro-direita ‘clean’. É civilizado. Elemento em falta no momento”, diz.

Para conseguir angariar votos nessa esfera, a análise é que o governador tucano precisará ir além do discurso e mostrar comprometimento com a pauta LGBT. Ao dizer “sou um governador gay e não um gay governador”, especialistas consideram que Leite foi no sentido contrário.

“A maneira como ele se colocou com essa expressão, que não é um mero jogo de palavras, acaba reproduzindo uma certa heteronormatividade, ou seja, que há certos modos de ser gay que são mais aceitáveis do que outros. Qual o problema se a pessoa for gay governador?”, questiona Renan Quinalha, professor de direito da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e ativista LGBT.

“Ao fazer isso ele está se assumindo, sem dúvida, mas colocando a sexualidade de lado. Eu não quero estar associado a isso de um modo tão direto assim. Sendo que na vivência concreta, as pessoas LGBTs são sempre associadas a sua sexualidade”, continua.

Quinalha diz que o apoio a Bolsonaro na eleição presidencial também lança dúvidas sobre que tipo de postura o tucano deve adotar agora e por qual razão agiu assim no passado.

“Não era segredo para ninguém que o Bolsonaro era abertamente LGBTfóbico. Então, ele [Leite] não era ainda gay em 2018 e fez esse apoio? Ou achou menor essa questão?”, questiona.

Couto classifica como problemático o apoio de um político gay a um candidato explicitamente homofóbico.

“Nem se trata, neste caso, da orientação ideológica, mas do posicionamento com relação a direitos humanos fundamentais, inclusive reconhecidos pela nossa Suprema Corte em diversas decisões”, diz.

Oliveira concorda que Leite deixou dúvidas sobre se levantará ou não a bandeira LGBT em sua campanha e se vai defender o liberalismo também nos costumes, oferecendo outra opção no cenário eleitoral.

Presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Keila Simpson diz que foi importante o governador se assumir, mas que é preciso destacar que a realidade que permitiu a ele fazer isso é diferente daquela enfrentada por um jovem negro, periférico e vindo de uma família desestruturada ou fundamentalista religiosa.

Como governador gay, Keila afirma que Leite deve se mostrar comprometido com a agenda LGBT.

“O que se espera de pessoas públicas, especialmente dessas que estão em cargos de direção e destaque, é fomentar ações efetivas para a população LGBTQI+. O que se espera de um governador que se assume gay é justamente essa postura. Não assumir-se por assumir, mas com ideias voltadas para a população em que ele diz que é”.

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