Como os deputados estão sabotando a democracia brasileira, por Raul Monteiro*

Foto: Divulgação/Arquivo/
Imagem do Congresso Nacional, onde deputados e senadores se preocupam cada vez menos com o povo

Justificadamente, a classe política tem sido apontada como um dos mais ativos agentes da desconsolidação da democracia liberal que vem favorecendo a ascensão de líderes populistas autoritários mundo afora. Com o crescente desprezo que devotam ao interesse público, deputados brasileiros devem estar na lista dos principais sabotadores, no mundo, do melhor regime político que, embora imperfeito, a humanidade logrou construir até hoje para viver em sociedade. A celeuma decorrente da aprovação do Orçamento de 2021 no Congresso é um exemplo atualíssimo de como os políticos brasileiros não pensam em nada além dos próprios interesses.

Não importa o país, não importa a saúde, não importa a economia, não importa a falange de miseráveis legada por uma pandemia que está em vias de matar mais de 500 mil pessoas no Brasil. Bancados com o dinheiro do contribuinte, apoiados por uma estrutura pública cara e inchada e muito bem acomodados em seus amplos apartamentos funcionais de Brasília, dos quais conseguem operar uma máquina de benesses e privilégios sem precedentes no mundo, Suas Excelências conseguiram distorcer de tal forma a execução financeira do governo que até o ‘enrolão’ do ministro da Economia, Paulo Guedes, consegue parecer um anjo de bom senso e responsabilidade fiscal.

Por trás do desinteresse pelo que, neste momento, mais importa no país, estão as vantagens que os parlamentares conseguem extrair das chamadas emendas individuais, um esquema paroquial a que se dedicam há tempo, mas que, nos últimos cinco ou quatro anos, se transformou numa oportunidade tão efetiva para a canalização de recursos públicos para seus bolsos por meio de obras e investimentos nos municípios de seus Estados que até a tradicional indicação de cargos para órgãos federais ou estatais, pelos quais sempre nutriram apetites vorazes e insaciáveis, deixou de despertar aquele interesse que se registrava no passado.

É óbvio que, como consequência, isso apenas aumenta o sentimento de orfandade política do eleitor, que responde a seus representantes, equivocadamente, com cada vez maior desdém pela vida congressual. Assim como é claro que alguém precisa suspender imediatamente a orgia das emendas parlamentares. Pelos sinais disponíveis, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está longe de representar qualquer perspectiva de correção do rumo insensato. Foi ele que se entregou ao Centrão, um agregado de partidos que simboliza como ninguém a prevalência do fisiologismo e da fúria patrimonialista de deputados e senadores sobre os interesses do povo.

Depois de demonizar a classe política como fonte da corrupção e encenar uma aversão em negociar com ela, Bolsonaro não demorou a se atracar com a sua banda mais podre. Hoje, abertamente articula com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma viagem ao Exterior a fim de se livrar de crime de responsabilidade pela sanção de um Orçamento vergonhoso, passando ao deputado a tarefa. Dá pena de quem acredita em políticos e acha que o chamado sistema pode ser enfrentado com propostas demagógicas de destruição das instituições. Fortalecer a cidadania é a forma mais eficiente de fiscalizá-las e cobrar e punir seus membros que as desrespeitam para aperfeiçoá-las.

* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.
Raul Monteiro*

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